Por Leandro A. Lima
O seguinte texto foi escrito para a disciplina Estudos Literários II, ministrada pela docente Dr.ª Ângela Vilma, no curso de Letras do CFP/UFRB. Sendo uma atividade avaliativa, o objetivo solicitado, a partir de fragmentos dos livros O ovo de ouro, de Tim Krabbé, e Velórios, de Rodrigo M. F. de Andrade, é a percepção de técnicas de criação mais profundas no campo literário que abarcam a mimese nesse processo. Acompanhem.
Diante do tempo e da incerteza do tempo natural, Rex Holfman prestigiava a
névoa densa que repousava na copa das árvores. Ali, Rex comtempla um cenário
natural e misterioso, e o narrador, com sua delicadeza, embeleza o cenário
“real” do livro O ovo de ouro, de Tim
Krabbé. O fato de “pairar” por si só demonstra leveza, porém com um pouco mais
de delicadeza. Fiapos macios que pairavam sobre as árvores, de uma névoa de cor
violeta no entardecer, algo parecido com o “crepúsculo” do destino.
O movimento é uma dádiva no livro O
ovo de ouro, carros e mudanças de cenários, assim como do ponto de vista. A
imobilidade em pleno movimento é uma característica marcante na história: “Imóvel,
os braços estendidos como uma estátua ou um cocheiro, em silêncio, Lemorne
seguiu para o sul. O carro aderia suavemente à estrada, o velocímetro marcando
140 quilômetros por hora era o único sinal de que se moviam.” (KRABBÉ, 1995, p.
96).
Os dois personagens têm vidas totalmente diferentes, mas que a partir do
momento do desaparecimento de Saskia, tem o destino obrigado a aproximá-los. A
vida cotidiana levada por eles, no primeiro momento, revela distância. Com o
passar do tempo, a distância diminui.
Ao mesmo tempo, o desconhecido e o confuso tomam a vida de Rex, como se o
desaparecimento de Saskia permanecesse provocando o seu pensamento. Mesmo em
sonhos ou à base de soníferos, ela ainda povoava sua mente de forma “irreal”.
Rex sonhou que estava em um
restaurante. À sua frente estava Saskia. Ele não a conhecia, mas de algum modo
sabia que era ela. O interior do restaurante era todo cinzento, francamente
iluminado. Não tinha pedido nada, mas serviram-lhe um prato de bolas de tênis.
Quando cortou uma, apareceu um pato, abriu asas e voou. (KRABBÉ, 1995, p. 100).
Em Velórios, de Rodrigo M. F. de
Andrade, mais especificamente no conto “D. Guiomar”, José já é um sujeito
apreensivo. O narrador utiliza-se de palavras com significados (na vida real)
de impedimentos, apreensão e inquietação. “Retê-la”; “desprender”;
“degradação”; “desespero”; “viciado consciente” são termos que usados de
qualquer forma significam situações diferentes, assim como estados físicos e
mentais. O narrador utiliza todas essas expressões para mostrar uma única
situação: o apego forte e contínuo de José à sua namorada: “José não tinha
energia para se desprender da namorada. Continuava a retê-la com o desespero de
um viciado consciente de sua degradação.” (ANDRADE, 2004, p. 15).
Na passagem citada acima, se usada a linguagem habitual, teríamos uma
interpretação fria e repetitiva. A técnica de Rodrigo M. F. de Andrade em
descrever um acontecimento normal com outro ponto de vista, demonstra uma cena
detalhista e visível, em que novos ares são tomados a partir da atmosfera
cotidiana, como no trecho em que o narrador descreve o medo que os motorneiros
sentem das grades do cemitério, justificado pela velocidade dos bondes:
a tempestade que se armava
era realmente alarmante. A tarde viera escurecendo de mais a mais e agora a
ventania principiava a sacudir com ruídos as copas pesadas das árvores que
sombreavam o pátio do hospital. Caminhei até a porta para espiar o céu coberto de
nuvens escuras como um toldo encardido ameaçando romper-se. (ANDRADE, 2004, p.
68).